sexta-feira, 28 de abril de 2023

O que aconteceu aos Super-heróis?

Olhando para o mercado nacional de BD, arrisco-me a afirmar que estamos a viver a "era dourada" da edição de banda desenhada em Portugal. Analisando de forma breve e genérica o panorama da BD em Portugal, ao longo dos últimos anos editoras como A Seita, a Ala dos Livros e a Arte de Autor vieram trazer materiais de origem franco-belga com elevada qualidade em edições primorosas; a Devir pavimentou e popularizou o materiais de origem japonesa em território nacional que permitiu o boom do mangá a que estamos assistir; os artistas portugueses estão cada vez mais presentes nas bancas e livrarias especializadas, no entanto, simultaneamente, tem-se verificado o desaparecimento dos materiais de origem americana, nomeadamente no género dos super-heróis. Deste modo, levanto a seguinte questão: O que aconteceu aos Super-heróis?


Para muitos leitores, as edições brasileiras importadas da Abril foram a porta de entrada ao mundo dos super-heróis. É inegável a importância dos "formatinhos" para a consolidação de toda uma geração de leitores de banda desenhada. Mais tarde, a Devir assume, no início deste milénio, o papel de publicadora de material Marvel e DC Comics em Portugal. Com lançamentos de arcos fechados e também de várias revistas como Homem-Aranha e X-Men, toda uma outra geração de leitores teve a oportunidade de conhecer os principais heróis dos comics americanos. Durante este período, outras editoras, como a BD Mania, também tiveram o seu contributo na publicação de livros de BD do género de super-heróis.


Nos últimos 10 anos as grandes responsáveis por publicarem os comics de super-heróis da DC Comics e da Marvel foram as editoras Levoir e G Floy Studio Portugal. Apesar de terem abordagens diferentes, é inegável o papel fundamental destas duas editoras. Irei agora abordar com mais detalhe as apostas de cada uma e, principalmente, as estratégia adotadas.


Começando pela Levoir, esta publicou a grande maioria dos seus materiais em coleções em parceria com o jornais Público e o Sol. Com coleções que variam entre os 3 e os 20 volumes, estas diferenciam-se entre coleções gerais e coleções específicas. No que diz respeito aos materiais da Marvel, a editora publicou 4 coleções gerais, ou seja, coleções que englobam vários personagens ou grupos de personagens. Deste modo, as coleções Heróis Marvel – Série I (15 volumes), Heróis Marvel – Série II (10 volumes), Universo Marvel (20 volumes) e Poderosos Heróis Marvel (15 volumes), compilam várias histórias de eras diferentes e de diferentes personagens. Estas coleções mix são, sem dúvida, voltadas para o público que não tem experiência de leitura e pretende começar a ler publicações de super-heróis. Uma vez que a cronologia é algo verdadeiramente importante para entender a maioria destas histórias, através destas coleções os leitores entram em contacto com sagas e histórias relevantes para cada um dos principais heróis que se passam em momentos distintos do universo em questão. Isto permite perceber qual o status quo do personagem, bem como quais os artistas que ajudaram a moldar o mesmo.


Também a DC Comics recebeu coleções gerais publicadas pela Levoir. As coleções Super-Heróis DC Comics - Série I (20 volumes), Super-Heróis DC Comics - Série II (10 volumes), Super-Heróis DC Comics (15 volumes) e No Coração das Trevas (10 volumes) incluem-se nesta categoria. No entanto, a editora também apresenta coleções específicas. A primeira delas foi a coleção Batman 75 anos (10 volumes). Esta coleção é também uma coleção mix, uma vez que apresenta as principais histórias do Cavaleiro das Trevas, no entanto é específica deste personagem. Outras coleções específicas publicadas pela Levoir foram as coleções Batman 80 anos (10 volumes), Liga da Justiça (5 volumes) e Mulher Maravilha (5 volumes).


Tendo lido todas estas coleções e tendo em conta que foram uma porta de entrada importante para ter uma noção tanto do universo Marvel como do universo DC, não deixa de ser um pouco curiosa a organização dos materiais compilados nas mesmas. Por exemplo, se repararmos nos primeiros 3 volumes da coleção Batman 80 anos, Batman: Jogo Final (Batman #35-40) , Batman: Peso Pesado e Batman: Bloom, verifica-se que estes volumes dão continuidade às histórias Batman: Corte das Corujas (Batman #1-7), Batman: Cidade das Corujas (Batman #8-11) e Batman: O Regresso do Joker (Batman #13-17 e Detective Comics #12), que foram publicadas originalmente como os volumes 3, 4 e 8, respetivamente, da coleção Super-Heróis DC Comics. Todos estes arcos fazem parte da saga do Batman durante os Novos 52 e, na minha ótica, poderiam ter sido publicados todos juntos numa única coleção dedicada a esta fase do personagem. Naturalmente seria necessário publicar os restantes arcos que completam esta fase, mas seria possível ter uma coleção com 10 volumes que publicasse toda esta saga de forma completa.


Outro caso paradigmático desta falta de organização nas publicações da Levoir são também as histórias da Liga da Justiça durante a fase dos Novos 52. O primeiro arco, Liga da Justiça: Origem, foi publicado como o número 1 da coleção Super-Heróis DC Comics. Apesar de, tal como nas publicações do Batman que referi anteriormente, existirem arcos que não foram publicados pela Levoir, a saga Mal Eterno, publicada como os volumes 9 e 10 da coleção No Coração das Trevas, trata-se de uma importante saga do universo DC durante os Novos 52 e que teve implicações relevantes na fase final da revista principal da equipa. Essas consequências podem ser vistas nos volumes Liga da Justiça: O Vírus Amazo e Liga da Justiça: A Guerra de Darkseid 1 e 2 publicados na coleção dedicada à Liga da Justiça. Este caso é ainda mais relevante do que o anterior, uma vez que mostra que existem publicações que têm ligação direta nos seus eventos distribuída por 3 coleções diferentes.


Apesar disso a Levoir chegou a publicar algumas coleções que compilam volumes da mesma fase. A coleção Harley Quinn (3 volumes) publicou 3 arcos da fase dedicada à personagem da autoria de Amanda Conner, Jimmy Palmiotti e Chad Hardin. No entanto, na sua publicação original esta fase recebeu mais volumes. Finalmente, a coleção Watchmen/Doomsday Clock (10 volumes) conseguiu publicar toda uma saga ao longo de uma coleção. Com os primeiros 4 volumes a reeditarem a saga clássica da autoria de Alan Moore e Dave Gibbons, os restantes 6 volumes são exclusivamente dedicados ao evento Doomsday Clock da autoria de Geoff Johns e Gary Frank que deu sequência à obra seminal dos comics americanos. Infelizmente a editora não voltou a publicar mais coleções de super-heróis. Mesmo assim, apesar de achar que as primeiras coleções mix foram importantes para criar uma base de leitores de super-heróis, numa fase posterior acho que a editora deveria ter publicado sagas completas nas suas coleções uma vez que creio ser esse o tipo de leituras que os leitores mais experientes procuram. Outra sugestão seria a publicação dos volumes da fase dos Novos 52 da Mulher-Maravilha na coleção que a editora publicou referente à personagem.


Já na sua fase final de publicações, a editora publicou vários volumes no seu selo DC Black Label. Livros como Batman: O Último Cavaleiro na Terra, Harleen, Batman: Maldito, Batman: O Cavaleiro das Trevas III - Raça Suprema, All-Star Superman, Batman: O Cavaleiro Branco, Joker: Sorriso Mortal, bem como as reedições de Batman: Ano Um, Batman: O Cavaleiro das Trevas e Batman: Asilo Arkham foram os últimos lançamentos da editora que publicou estes de forma individual, isto é, sem estarem atrelados a uma coleção.


Por sua vez, a editora G Floy Studio Portugal iniciou a sua publicação de comics americanos da Marvel com volumes auto-conclusivos como Wolverine: Logan, Loki e Homem-Aranha: Exposição Negativa. Não obstante, a editora começou a fazer apostas na publicação de fases completas de personagem. É neste contexto que séries como Alias, Os Surpreendentes X-Men, Os Novos X-Men, O Imortal Punho de Ferro, entre outras receberam edição completa em Portugal. Este tipo de publicações sem dúvida que são aqueles que fazem falta, de modo a continuar a manter os leitores portugueses de super-heróis a consumir as edições nacionais em vez que as procurarem no mercado estrangeiro.

Mesmo assim, nos últimos tempos a editora reduziu imenso os lançamentos de Marvel e tem apenas publicado os volumes referentes à coleção Preto, Branco & Sangue que, na minha opinião, não são suficientes para manter vivo o interesse dos leitores. É ainda de salientar que a contra parte polaca da editora, a Mucha Comics, tem feito apostas verdadeiramente aliciantes para os seus leitores como X-Men: A Era do Apocalipse, Venom: Lethal Protector The Spectacular Spider-Man Vol. 1 de DeMatteis e Sal Buscema. Certamente estes volumes seriam bem recebidos pelos leitores portugueses.


Muitas das razões apresentadas para justificar a ausência de publicações de super-heróis em Portugal são, para além dos custos elevados de licenciamento destas obras, a facilidade dos leitores portugueses em ler os materias na sua edição original. De igual modo, o acesso às versões originais também é relativamente fácil, o que é potencializado pela ausência de edições nacionais. Como estas não existem, nem nas bancas nem nas livrarias, os leitores recorrem ao material estrangeiro para ler. Sendo assim, não me parece que o problema seja falta de interesse por parte dos leitores, mas sim falta de oferta por parte das editoras.  Adicionalmente a ausência de edições nacionais, deram um espaço para as edições brasileiras que são importadas e que têm algum público a aderir às mesmas.

Ao longo do último ano a Coleção Clássica Marvel tem sido das poucas edições de material Marvel presente nas bancas em edição nacional, no entanto, apesar de compilar uma fase incrível da Marvel, acredito que o público alvo desta coleção são leitores mais velhos que leram estas edições quando eram mais novos e que são atingidos por um enorme sentimento de nostalgia. Isto não significa que não hajam leitores curiosos e interessados por conhecer os primórdios da Marvel, como é o meu caso.

Um outro problema que se verifica nas grandes superfícies é a presença de material estrangeiro ao lado das edições nacionais quando existe um lançamento. Principalmente quando é lançado o primeiro volume de uma saga em edição nacional, é usual vermos as edições estrangeiras dos volumes seguintes ao lado. Infelizmente alguns leitores são impacientes e tendem a comprar as edições estrangeiras em vez de esperarem pelas edições nacionais dos volumes seguintes, o que tem impacto direto nas vendas das edições nacionais e, consequentemente, na análise de investimento das editoras neste tipo de lançamentos. Por fim, é também difícil para as editoras portuguesas competirem com os preços das edições estrangeiras que têm tiragens maiores e, naturalmente, preços mais em conta.


O problema do "desaparecimento" dos super-heróis das bancas portuguesas é um tema bastante complexo e pode ter-me escapado algum ponto relevante. Seja através de publicações como a Coleção Oficial de Graphic Novels Marvel (60 volumes) editada pela Salvat (que curiosamente foi a minha porta de entrada para o mundo da banda desenhada) ou pela volta dos lançamentos da Levoir e da G Floy Studio Portugal ou até pelo surgimento de uma nova editora de banda desenhada, o meu desejo é que os super-heróis voltem às bancas portuguesas pois fazem bastante falta às mesmas.


No entanto, não deixem de dar a vossa opinião relativamente a este tema nos comentários porque só desta forma poderão habilitar-se a vencer o passatempo em que irei oferecer estes dois livros! O vencedor será anunciado num post no blog no próximo dia 15 de maio. Boa sorte a todos e boas leituras!

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