Publicado originalmente na revista Feel Young
entre 1995 e 1996, Helter Skelter - Queda e Ascensão é uma das mais recentes apostas da Sendai Editora. Com argumento e ilustrações de Kyôko Okazaki, este mangá, que em
julho de 2012 recebeu uma adaptação cinematográfica em live action com realização de Mika Ninagawa e com Erika Sawajiri no papel de Lilico, foi uma experiência de leitura bastante agradável.
Neste álbum, que tem o mesmo nome que uma famosa música do The White Album dos The Beatles, acompanhamos Lilico, a maior modelo que Tóquio já viu. Além de modelo, a protagonista é também cantora e atriz, sendo desejada pelos homens, adorada pelas raparigas e invejada pelas mulheres. Tal como o nome indica, aqui os leitores acompanham a queda e ascensão de Lilico. Isto pode ser surpreendente, uma vez que normalmente a trajetória de acontecimentos é inversa, no entanto, aqueles que já leram a história irão concordar que o subtítulo condiz perfeitamente com a história.
Deste modo é interessante perceber a dualidade da personalidade de Lilico que à frente das câmaras e dos holofotes é alguém que inspira os outros, enquanto que nos momentos mais pessoais se mostra uma pessoa totalmente desprezável. Assim, Lilico é uma mulher que faz tudo o que for preciso para ser o centro das atenções. Ao longo da história, a argumentista consegue desenvolver muito bem esses dois lados da personagem. Além disso, a história também mostra como Lilico se tornou nesta mulher com uma personalidade extremamente complexa. Algo que senti durante a leitura foram sentimentos mistos relativamente à protagonista, o que demonstra que a trama é complexa e que as coisas não são preto no branco.
Mas como todos sabemos, a indústria da fama é cruel e anda sempre à procura da "nova carinha bonita". Com isto Lilico vê-se numa luta para não perder o estatuto que tanto sofreu para conseguir. Deste modo, Lilico entra numa jornada de autodestruição, tanto física como psicológica. Esta destruição é demonstrada por vários episódios em que as várias personagens coadjuvantes vão ganhando o seu destaque. Simultaneamente é desenvolvida uma sub-trama paralela que se trata de uma investigação relativa às mortes de pacientes de uma clínica especializada em cirurgias estéticas.
Não pretendo desvendar mais sobre a obra uma vez que acho que os leitores devem experienciar as revelações deste livro aquando da sua leitura. Destaco que se trata de uma história adulta e que está repleta de sexo e violência extrema. Definitivamente trata-se de uma história para maiores de 18 anos e que choca bastante, não só pelos elementos anteriormente referidos, mas principalmente pela manipulação de que várias personagens são vítimas. Finalmente, o grande feito da artista com esta obra é a crítica à futilidade da beleza física e como isso pode conduzir à destruição moral e psicológica do ser humano.
No que diz respeito às ilustrações, este livro é o clássico exemplo de que não se deve julgar um livro pela sua capa. E, neste caso específico, acredito que a maioria dos leitores irá ficar desapontado com a discrepância entre a ilustração da capa e as ilustrações propriamente ditas. O traço é esquisito, não muito apurado e faz me lembrar até o traço de Frank Miller em algumas das vinhetas dos seus últimos trabalhos (o que não é lá muito bom que se diga!). Os cenários variam muito entre algum detalhe ou ausência de detalhe e as caras das personagens conseguem transmitir o que as mesmas sentem, no entanto o problema é que a obra não é consistente. Mesmo assim, consigo encontrar algum charme nas ilustrações até porque as mesmas são uma espécie de representação do quão "feio e cruel" o mundo da fama pode ser. Apesar de tudo, algo que a artista consegue transmitir perfeitamente é o sofrimento e agonia que as personagens sentem ao longo da história (chega a ser incomodativo em alguns momentos). Mas é importante realçar que a artista foi vítima de atropelamento o que a impediu de fazer ajustes nas ilustrações da obra.
Com 320 páginas a preto e branco e encadernação com capa brochada, a edição da Sendai apresenta papel de boa qualidade e um trabalho editorial ao nível da obra. Sem dúvida que é uma edição que está a par de outras que se vêm no mercado.
Poderão ver mais imagens deste álbum aqui: https://www.instagram.com/p/CtyowWpss7-/
Mesmo que tenha sido publicada há 27 anos atrás, Helter Skelter continua a ser uma obra relevante e que retrata muito bem os perigos do mundo da fama e como os bastidores do mesmo podem ser bastante sombrios e movidos pelas piores intenções. Uma obra que gostei bastante e que recomendo a sua leitura e que é uma muito boa adição ao catálogo da Sendai que está a trazer mangas mais adultos e underground para o nosso mercado!
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