À semelhando do post que realizei no mês passado,
aqui apresento as minhas leituras do mês de junho de 2023. Para além de
livros que recebi das editoras, também irei falar sobre livros que
estavam na pilha de leitura e também de alguns volumes de coleções que
estou a acompanhar. Apesar de incluir na imagem abaixo os livros Helter Skelter - Queda e Ascensão e As Aventuras Completas de Dog Mendonça e Pizzaboy, que de facto li neste mês, irei publicar em breve a análise individual de cada um destes livros.
Bartleby, o Escrituário
A história passa-se em Nova Iorque, no distrito de Wall Street e retrata Bartleby, um jovem que é contratado para um escritório de notário e que tem como função copiar documentos legais. Inicialmente, o jovem desempenha a sua função de forma eficiente e irrepreensível, no entanto tudo muda quando o seu chefe lhe dá mais um trabalho. Deparado com essa situação, Bartleby recusa-se a fazê-lo e responde educadamente com um simples mas convicto “Prefiro não o fazer”. Esta recusa leva a que tanto o patrão como os seus colegas de trabalho fiquem surpreendidos e perplexos com a sua resposta e atitude. Tudo fica ainda mais estranho a partir desse momento, dado que o jovem para além de deixar de obedecer às ordens do patrão, recusa-se igualmente a abandonar o local de trabalho.
A construção narrativa da história é perspicaz dado que a mesma é contada pela perspetiva do patrão de Bartleby. Deste modo, o leitor, tal como o patrão vão acompanhando o desenrolar da história de modo a tentar perceber o que se passa na cabeça do jovem. Assim, o vemos as tentativas do mesmo de o tirar de lá. Inicialmente, o patrão despede-o, mas sem sucesso. De seguida, o patrão muda as instalações do seu negócio e, mesmo assim, o jovem não sai do lá. Apenas com a intervenção da polícia e consequente prisão é que o jovem é retirado de lá. Estas tentativas fracassadas e as respetivas frustrações do patrão em entender a postura de Bartleby são o que tornam a leitura interessante.
Não irei entrar em mais detalhes, no entanto existe uma reviravolta na história do livro que estimula o leitor a refletir sobre a obediência no trabalho, a resistência passiva e o papel de Bartleby numa sociedade e num sistema de trabalho que se encontra implementado até aos dias de hoje.
O traço apresentado pelo artista é semi-caricatural principalmente nos seus personagens. Destaque para Bartleby que se apresenta como uma figura pálida quase desprovida de vida própria. Por sua vez, os cenários têm um tom mais realista e, assim, existe uma dissonância entre o contexto em que a história se passa e a figura central da história. Esta escolha ajuda a eficazmente acentuar ainda mais o lado ridículo e absurdo de toda a história.
A edição portuguesa é da autoria da Arte de Autor que apresenta um livro em capa dura e com papel mate de boa qualidade que combina com o tom sépia da ilustração. A edição apresenta além da banda desenhada alguns extras, nomeadamente um prefácio. Apesar de não achar um livro imperdível, recomendo a leitura do mesmo principalmente para aqueles que nunca leram o conto original.
Poderão ver mais imagens deste álbum aqui: https://www.instagram.com/p/CtMJaZNMfcC/
Segmentos
Aqui a proposta da editora é trazer uma ópera espacial filosófica ambientada no século XXVIII da era galáctica. Neste universo a humanidade teve de abandonar o planeta Terra devido a um incidente e foi criada a União Galáctica das Funções Segmentadas (UGFS) que divide a população por tipo de personalidade em planetas monocromáticos dedicados a funções únicas: espiritualidade no planeta Psique, intercâmbio no planeta Mercante, prazer no planeta Voluptino, guerra no planeta Neo-Esparta, trabalho no planeta Stakan, ordem no planeta Lexipólis e criatividade no planeta Musa. A filosofia por trás desta divisão é o Segmentismo e tem como objetivo evitar os confrontos entre os mesmos. Para implementar esta filosofia os jovens são avaliados aos 7 anos e, consoante o resultado, são treinados durante mais 14 anos para integrarem-se na sociedade do respetivo planeta escolhido. Além disso, existe uma epidemia de esterilidade que se está a alastrar e que irá acabar com a humanidade se nada for feito para a parar.
Mas neste universo perfeito, uma incompreensível epidemia de esterilidade está a alastrar, condenando inexoravelmente a humanidade num futuro próximo.
É neste contexto que acompanhamos a história de Loth e Jezréel que se conhecem durante o julgamento de cada um. Loth é condenado por se recusar a ingressar no planeta Neo-Esparta, enquanto que Jezréel é julgada por recusar fazer sexo e consumir drogas contra a sua vontade. Os dois acabam por escaparem juntos e embarcam numa aventura cósmica em que irão descobrir os segredos por trás da organização da galáxia.
O ritmo da história é bom, dado que os personagens são perseguidos de planeta em planeta, e o argumentista consegue apresentar novos personagens que acompanham os protagonistas, ao mesmo tempo que vai adicionando novas camadas a uma trama que se vai tornando mais complexa. Assim, a trama anda à volta do conselho dos anciãos que governam os sete planetas, a busca pela cura da epidemia de esterilidade e pelo planeta Terra e ainda um grupo que pretende acabar com o Segmentismo.
Apesar de estar repleto de cenas de ação que cadenciam bem as sequências entre si, senti ao longo da leitura que muitos dos conceitos, personagens e planetas não foram aproveitados ao seu expoente máximo, ficando com a sensação de que existe um universo muito interessante e cativante mas que não mergulhamos profundamente no mesmo. Isto leva-me a falar do final que, apesar de bom, foi um pouco apressado.
A arte de Gimenez agrada-me bastante e todo o trabalho de criação de criaturas, tecnologias e ambientes é diversificado. As sequências de ação são frenéticas e dinâmicas, os personagens apresentam um lado caricatural e o traço do artista concede uma identidade a este universo, apesar de ir ao encontro de outras space operas de origem europeia.
A edição da Arte de Autor é fantástica, com realce para o efeito brilhante dos capacetes dos personagens na capa. Segmentos é uma excelente aposta na ficção científica adulta e que espero seja o reabrir de portas (editem o INCAL!) a este género que está "adormecido" no mercado português.
Poderão ver mais imagens deste álbum aqui: https://www.instagram.com/p/CtHbUzPscbU/
Undertaker Vol. 5: O Índio Branco
Para começo de conversa, os leitores que acompanham a série e que já leram os volumes anteriores poderão concordar comigo quando digo que esta é, sem dúvida, a melhor série de western atualmente em publicação no mercado português. Se o primeiro ciclo apresentou Jonas Crow e as suas personagens coadjuvantes numa boa história contada em dois volumes, o segundo ciclo, igualmente contado em dois volumes elevou a qualidade da série a um patamar que poucas conseguem. Deste modo, é com a fasquia em alta que embarquei neste terceiro ciclo da série que se inicia com este O Índio Branco.
Deixo aqui a sinopse disponibilizada pela editora para ficarem a saber de que se trata a história deste álbum: “Josephine Barclay, a mulher mais rica de Tucson, está decidida a recuperar o cadáver de Caleb
Barclay, o seu filho. Raptado pelos Apaches há já alguns anos e recentemente assassinado, Caleb está enterrado num cemitério Apache, bem no centro das terras interditas do Arizona. Para levar a bom termo tão delicada missão, escolhe o seu futuro marido, Sid Beauchamp que, por sua vez, recorre ao seu antigo colega, Jonas Crow, o único homem suficientemente louco para profanar um túmulo em pleno território índio…".
Para mim, para além do carismático protagonista, o grande acerto desta série é a inclusão de personagens icónicos ao longo de cada volume e a utilização destes para a construção de histórias interessantes. Dorison apresenta sempre personagens com motivações definidas, apesar de não as revelar sempre à partida e deixar que essas revelações ajudem na construção da narrativa. Assim, este volume apresenta algumas reviravoltas que levam a que exista conflito entre os personagens. Além disso, as personalidades fortes e diferentes pontos de vista dos integrantes desta história trazem uma dinâmica de conflitos de ideias que rendem diálogos excelentes. Mesmo assim, este volume fica um pouco abaixo dos dois anteriores, mas consegue contar uma história interessante e diferente, trazendo um novo vigor à série. E mais uma vez o final deste volume irá deixar os leitores ansiosos para o segundo volume.
Mais uma vez Ralph Meyer acompanha o argumentista nesta série. E, se o argumento é excelente, também as ilustrações destes álbuns o são. Meyer representa de forma exímia personagens, animais e, principalmente paisagens. O mesmo consegue aproveitar muito bem as pranchas e é simplesmente fantástico quando o mesmo expande a ilustração até ao corte da página. Além disso, este consegue aproveitar muito bem as paisagens e a iluminação para criar cenas verdadeiramente cinematográficas e que evocam os grandes westerns do cinema.
A edição da Ala dos Livros acompanha a qualidade da obra com capa brilhante, papel de excelente qualidade e a introdução de extras. Se haviam poucas dúvidas depois da publicação dos tomos 3 e 4 de que Undertaker é das melhores séries nas bancas portuguesas, este quinto volume vem acabar com as mesmas de vez e cimentar a consistência da qualidade da série. A não perder!
A proposta do autor é apresentar seis histórias independentes entre si, numa antologia em que o único ponto de ligação entre as mesmas é o facto de se tratarem de histórias banais, no sentido de serem representações simples de momentos da vida das seus personagens.
Falando um pouco de cada uma das histórias, na primeira acompanhamos Alberto, um jovem que acabou os estudos recentemente e que ingressou no mundo do trabalho. Assim, acompanhamos alguns momentos e dificuldades que o mesmo enfrenta nesta dura transição. Por sua vez, na segunda história vemos uma conversa de café entre amigas em que descobrimos a relação tóxica de Carolina com um homem perigoso e de intenções duvidosas. A terceira história conta-nos a perspetiva de dois irmãos que vivem o divórcio dos seus pais. A quarta história retrata o encanto de Sofia pelo namorado da sua melhor amiga. A quinta história demonstra o afastamento de um casal. Por fim, a sexta história conta a história de Flor, uma rapariga intolerante à lactose e Rui, o seu companheiro que não gosta de passagens de ano.
Algo que o autor traz para o seu argumento é a ausência de um "final convencional" para as histórias. Digo isto no sentido de que conhecemos estes personagens, somos deparados com os seus problemas mas não vemos a resolução dos mesmos, mas antes a forma como estes lidam com os mesmos. Cabe ao leitor preencher o resto da história com a sua imaginação.
A ilustração apresenta um traço simplista mas com o detalhe necessário para transmitir os sentimentos dos personagens e ambientar os cenários das histórias. Além disso, é a própria simplicidade que caracteriza o traço e estilo de Majer. A ilustração varia um pouco ao longo das seis histórias, bem como a utilização das cores. Normalmente, cada história apresenta um ou dois tons para além do preto e branco. Gosto bastante deste efeito que ajuda a diferenciar as histórias.
A edição da Polvo é em capa dura, com papel brilhante de qualidade e bem encadernado. Apesar de não ter extras, é de realçar a incrível capa e contra capa deste álbum, que é minimalista mas extremamente bela.
Em suma, Estes Dias é um livro a não perder e que certamente fará os leitores pensarem muito sobre a sua vida e o seu quotidiano.
Poderão ver mais imagens deste álbum aqui: https://www.instagram.com/p/CtvwRQJMUyW/
O Baile
Outro dos livros que trouxe do Maia BD foi O Baile com argumento de Nuno Duarte e ilustrações de Joana Afonso. Comprei a segunda edição da obra publicada pela Kingpin Books dado que apresenta uma capa diferente da primeira edição e conta ainda com 3
páginas inéditas. Tanto a primeira edição como a segunda são em capa mole. Uma terceira edição foi publicada em formato deluxe e
com capa dura. Esta obra foi vencedora de 6 Prémios Profissionais de BD 2013 e 2 Prémios Nacionais AmadoraBD 2013, incluindo Melhor Álbum.
Mas afinal de que se trata O Baile? Dado que se trata de uma história envolta num mistério acho que a melhor forma de apresentar a mesma é reproduzindo a sinopse original divulgada pela editora, de modo a não cair no erro de divulgar algum ponto que possa estragar a experiência de leitura:
"1967. Incumbido de investigar relatos macabros sobre uma horda de pescadores mortos que voltam para apavorar uma pequena vila costeira, o Inspector Rui Brás, da PIDE, é enviado para impor a sanidade e o silêncio recomendáveis, a meses de uma importante visita papal. Acometido por medos e dúvidas quanto ao rumo da sua própria carreira, Rui descobre que os relatos sobre a vila são bem reais e o horror bem palpável. Dividido entre um padre deslocado e resignado, e uma mulher desequilibrada acusada de invocar os mortos, o inspector acaba por entrar num “baile” de actos e consequências nefastas que poderá arrastar toda a vila para um desenlace trágico.".
Como puderam ler pela sinopse, o elemento que move a narrativa é o mistério que acompanhamos com o desenrolar do argumento. Aos poucos o argumentista vai desvendando informações importantes para o leitor perceber o desfecho da história mas sem nunca revelar demasiado. Isto capta a atenção do leitor e leva a que o mesmo fique preso às páginas do livro. Além disso, a construção da narrativa traz um valor de releitura basta grande. Após concluir a primeira leitura do álbum, uma segunda leitura levará os leitores a verem mais atentamente as "peças do puzzle" e a encaixá-las de uma forma mais fluida. De certo modo isto é o que acontece em todas as boas histórias de mistério.
Outro ponto interessante da construção do argumento é a ambientação do enredo durante o período do Estado Novo e a escolha de um elemento da PIDE como protagonista. Assim, mesmo que o argumento se foque no mistério, o mesmo gasta algum do seu espaço para abordar a questão da tortura aplicada por esta polícia e como isso é carregado na consciência dos mesmos. Prova disso é uma ilustração de Joana Afonso que retrata de forma muito efetiva esse sentimento. De igual modo, a menção à visita do Papa Paulo VI em 1967 ao Santuário de Fátima e a inclusão de um padre no leque de personagens deste álbum servem igualmente para a construção da crítica social direcionada aos poderes vigentes da altura: o Estado e a Igreja.
Esta segunda edição apresenta capa mole e papel de boa qualidade. Incluí também um prefácio de Filipe Melo e contém aquela que, para mim, é a melhor capa de todas as edições.
Poderão ver mais imagens deste álbum aqui: https://www.instagram.com/p/Ct1VtthsyTh/
Nestor Burma Volume 4: Boulevard…Ossada
A ilustração vai em linha com o universo criado por Tardi, no entanto, ao contrário do artista anterior Barral apresenta um traço mais solto e dinâmico e que me acho estar melhor conseguido. Além disso, o artista recorre em alguns momentos à arte sequencial sem utilização de elementos verbais, deixando as ilustrações "falarem por si".
Algo que tenho de destacar de negativo na edição da Gradiva é a legendagem e também balonagem das legendas que em alguns casos a caixa é demasiado pequena e fina e o texto fica bastante apertado e noutros casos a caixa é grande e o texto excessivamente grande. Fora isso, a edição da Gradiva está boa com papel de qualidade e capa dura brilhante.
Mesmo não sendo a minha série favorita, este álbum veio trazer algum interesse da minha parte com a série que fui perdendo ao longo dos volumes anteriores. Espero ansiosamente pelos próximos volumes de Barral ao contrário dos de Moynot. Quanto aos de Tardi, continuo a achar um tremendo erro não começar a publicação da série com essa fase...
Poderão ver mais imagens deste álbum aqui: https://www.instagram.com/p/CsoLaq6st2d/
Quais foram as vossas leituras de junho?
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